terça-feira, 8 de março de 2016


ESCRITA  ERÓTICA FEMININA

Palestra que fiz no evento "Palavras Cruzadas" organizado por Lula Couto na Livraria Jaqueira em Recife no dia 05 de março de 2016.

Fotos: Bernadete Bruto









Poema de Safo - Grécia (2.600 a.C): A Uma Mulher Amada.


"Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!

Quem goza o prazer de te escutar,

quem vê, às vezes, teu doce sorriso.

Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia por minha carne,

ó suave bem-querida,

e no transporte doce que a minha alma enleia

eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.

Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;

E pálida e perdida e febril e sem ar, um frêmito me abala...


eu quase morro ... eu tremo".




Escrita Erótica Epistolar: cartas de Heloísa de Argenteuil - França  (1101 - 1164))


Em meio à quietude da noite, quando meu coração deveria estar tranquilo no sono que 

suspende as maiores preocupações, eu não consigo evitar a ilusão do meu coração. Eu sonho 

que ainda estou contigo, meu querido Abelardo. Eu o vejo, falo contigo ouço tuas respostas. (…)

 Até mesmo em frente ao santo altar eu carrego comigo a memória do nosso amor, e longe de 

me lamentar por ter sido seduzida pelos prazeres, eu sinto por havê-los perdido.


Eu me lembro (pois o esquecimento é nada para os amantes) o tempo e o lugar

 onde declaraste tua paixão e juraste que me amaria até a morte. Tuas palavras, teus

 juramentos, estão gravados profundamente em meu coração. Meu discurso balbuciante  trai

 toda a desordem reinante em minha mente; meus sussurros acabam por  revelar-me e o teu

 nome está sempre em meus lábios. (…) Eu mereço mil vezes mais compaixão do que tu, pois

 ainda tenho mil paixões contra as quais lutar. Eu preciso resistir àquele fogo que o amor instiga

 nos corações jovens. Nosso sexo (o feminino) não é nada além de fraqueza e tenho grande 

dificuldade em me defender pois  me agrada esse inimigo que me ataca;” (Carta de Heloísa para 

Abelardo)



A escrita erótica de Santa Teresa D'Ávila - Espanha (1515 - 1582):


“...eu vi então que ele tinha uma longa lança de ouro, cuja ponta parecia de fogo e senti como se 


ele a enterrasse várias vezes em meu coração, transpassando-a até minhas entranhas! Quando a

retirava, parecia também arrancá-las, e me deixava esbraseada do grande amor de Deus. A dor


 era tão grande que me fazia gemer e, no entanto, a doçura dessa dor excessiva era tal que eu 

não podia querer livrar-me dela (...) A dor não é corporal, mas espiritual, se bem que o corpo 

tenha sua parte e mesmo uma larga parte. É uma carícia de amor tão doce que acontece então 

entre a alma e Deus que eu peço a Ele, em sua bondade, que a faça sentir naquele que pensa que

 estou mentindo...”. Teresa D'Ávila.













A escrita erótica de Emily Dickinson - EUA  (1830 - 1886)


Noites Selvagens


Noites Selvagens - Noites Selvagens!

Estivesse eu contigo

As Noites Selvagens seriam

A nossa luxúria!
-
Fúteis - os Ventos -

Para um Coração no porto -

Inúteis as Bússolas -

Inútil o Mapa!
-
Remando no Paraíso -

Ah, o Mar!

Pudesse eu atracar - Esta noite -


Em Ti!




A escrita erótica de Florbela Espanca - Portugal  (1894 - 1930).


Horas Rubras


Horas profundas, lentas e caladas

Feitas de beijos rubros e ardentes,

De noites de volúpia, noites quentes

Onde há risos de virgens desmaiadas...



Oiço olaias em flor às gargalhadas...

Tombam astros em fogo, astros dementes,

E do luar os beijos languescentes

São pedaços de prata p'las estradas...



Os meus lábios são brancos como lagos...

Os meus braços são leves como afagos,

Vestiu-os o luar de sedas puras...



Sou chama e neve e branca e mist'riosa...

E sou, talvez, na noite voluptuosa,

Ó meu Poeta, o beijo que procuras! 






A escrita erótica de Anaïs Nin - EUA - (Embora tenha vivido muitos anos na França, Anaïs é 

americana e toda a sua obra é escrita em inglês). (1903 - 1977)



“A posição do xale sobre meus seios era bastante instável. Quando ergui a cabeça no ângulo que

ele queria, numa espécie de gesto convidativo, o xale escorregou, e os meus seios ficaram de 

fora. Ele não deixou que eu me movesse.

-Quisera poder pintá-los – disse.

-Ele sorria enquanto trabalhava com o lapis especial de carvão. Inclinou-se para me medir

tocou com ele a ponta dos meus seios, fazendo uma marquinha preta.

-(…)

-O leve contato do lapis nos meus seios endurecera os bicos. Aquilo me irritou, porque eu não

tinha sentido qualquer prazer. Por que meus seios seriam tão sensíveis. A ponto de ele ter

notado?”
-


-Conto “O Modelo” in Pequenos PássarosHistórias Eróticas.






A escrita erótica de Marguerite Duras - França  (1914 - 1996)


Ela lhe diz: preferiria que você não me amasse. Ou, mesmo me amando, que se comportasse 

como se comporta com as outras mulheres. Olha para ela espantado e pergunta: é o que você 

quer? Responde que sim. Ele começou a sofrer lá, naquele quarto, pela primeira vez, não nega 

isso. Diz que sabe que ela jamais o amará. Ela o deixa falar. (…) Ele lhe arranca o vestido, joga-o 

longe, arranca a calcinha branca de algodão e a leva nua para a cama. Então, vira-se para o 

outro lado e chora.”


Trecho de “O Amante”.









A escrita erótica de Hilda Hilst. Brasil (1930 - 2004)


Araras Versáteis 

Araras versáteis. Prato de anêmonas.

O efebo passou entre as meninas trêfegas.

O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.

Ela abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida laca

E vergastou a cona com minúsculo açoite.

O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meios

E uma língua de agulha, de fogo, de molusco

Empapou-se de mel nos refolhos robustos.

Ela gritava um êxtase de gosmas e de lírios

Quando no instante alguém

Numa manobra ágil de jovem marinheiro

Arrancou do efebo as luzidias calças

Suspendeu-lhe o traseiro e aaaaaiiiii...

E gozaram os três entre os pios dos pássaros


Das araras versáteis e das meninas trêfegas.




Do Desejo 


I.

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.

Antes, o cotidiano era um pensar alturas

Buscando Aquele Outro decantado

Surdo à minha humana ladradura.

Visgo e suor, pois nunca se faziam.

Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo

Tomas-me o corpo. E que descanso me dás

Depois das lidas. Sonhei penhascos

Quando havia o jardim aqui ao lado.

Pensei subidas onde não havia rastros.

Extasiada, fodo contigo

Ao invés de ganir diante do Nada.




A escrita erótica de Maria Teresa Horta. Portugal (1937 - )


As nádegas


Porque das nádegas

a curva

sempre oferece

a fenda

o rio

o fundo do buraco

Para esconso uso do corpo

nunca o fraco

poder do corpo em torno desse vaso

Ambíguo modo

de ser usado

e visto

De todo o corpo

aquele

menos dado

preso que está já

do próprio vicio


e mais não é que o limiar de um acto






Gozo VI


São de bronze

os palácios do teu sangue

de cristal absorto

encimesmado

São de esperma

os rubis que tens no corpo

a crescerem-te no ventre

ao acaso

São de vento – são de vidro

são de vinho

os liquidos silencios dos teus olhos

as rutilas esmeraldas que

sózinhas

ferem de verde aquilo que tu escolhes

São cintilantes grutas

que germinam

na obscura teia dos teus lábios

o hálito das mãos

a língua – as veias

São de cupulas crisálidas

são de areia

São de brandas catedrais

que desnorteiam

(São de cupulas crisálidas

são de areia)

na minha vulva


o gosto dos teus espasmos













A escrita erótica de Clarice Lispector. - Brasil (1920 - 1977)

“Ele disse:

-Tire a roupa.

-Ela tirou a camisola. A lua estava enorme dentro do quarto. Ixtlan era branco e pequeno. 

Deitou-se ao seu lado na cama de ferro. E passou as mãos pelos seus seios. Rosas negras.

-Ela nunca tinha sentido o que sentiu. Era bom demais. Tinha medo que acabasse. Era como se 

um aleijado jogasse no ar o seu cajado.

-Começou a suspirar e disse para Ixtlan:

-- Eu te amo, meu amor! Meu grande amor!

-E – é, sim. Aconteceu. Ela não queria que não acabasse nunca. Como era bom, meu Deus. Tinha 

vontade de mais, mais e mais.”
-


-Trecho do Conto “Miss Algrave” in A Via Crucis do Corpo.






-“ A vida lhes era boa. Às vezes Carmem e Beatriz saíam a fim de comprar camisolas cheias de 

sexo. E comprar perfume. Carmem era mais elegante. Beatriz com suas banhas, escolhia biquíni 

e um sutiã mínimo para os enormes seios que tinha. (...)

-Às vezes as duas se deitavam na cama. Longo era o dia. E, apesar de não serem homossexuais, 

se excitavam uma à outra e faziam amor”.
-




-Trecho do Conto  “O Corpo” in A Via Crucis do Corpo”.





VÊNIX


Ainda posso ver a luz em devaneio,

Meus meandros de Safo, Florbela Espanca,

Ainda posso sentir o hálito cheio

De um desejo que da pele não se arranca.



E o ainda é ainda, pois  sempre será ainda


Até que tudo chegue ao fim

E os meus seios têm o sabor do maracujá

E o meu ventre latente já não cabe em mim,



Mas, se perpetua em quem ainda não veio,


Traz em si o gozo e o delírio como esteio,

Da total existência, a mais profunda glória



De ter nascido para integrar a história.


E, você, entre, deite, apague a luz se quiser,

Seu corpo ilumino com o meu vulto de mulher.

                                                                       Andrea Campos



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